sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Teoria potencial no plano e no espaço

Abaixo $x,x_i,y$ são todos vetores em $\mathbb{R}^3$.

O potencial gravitacional $\phi$ de uma partícula de massa $M$ num ponto situado a uma distância $x$ da partícula é
$\phi(x) = -G M/{\vert x\vert}$, onde $G$ é a constante gravitacional universal e $M$ é a massa da nossa partícula.

Daqui para frente nós vamos assumir que $G = 1$.

Dado um sistema de partículas posicionadas nos pontos $(x_i)_{i=0}^N$ o potencial gravitacional gerado por esse sistema de $N$ partículas é dado por
$\phi(x) = -\sum_{i=1}^N \frac{m_i}{\vert x - x_i\vert}.$

O mesmo vale para uma distribuição contínua de matéria,



e nesse caso o potential gravitacional vira $\phi(x) = \int_B \frac{dm(y)}{\vert y - x\vert} = \int_B dy \frac{\rho(y)}{\vert y - x\vert},$ onde $\rho(y)$ é função de densidade da distribuição de massa no corpo $B$. 
Nessa última equação nós estamos supondo que $x,y$ são vetores bi-,tri-dimensionais etc. e que $dy$ é uma forma de volume, ou elemento de volume. 


Vale a pena ressaltar aqui que o potential gravitacional em qualquer dos casos acima satisfaz a chamada equação de Poisson, 
$$\triangle \phi = \rho(x),$$
onde $\triangle = \frac{\partial^2}{\partial x^2} + \frac{\partial^2}{\partial y^2} + \frac{\partial^2}{\partial z^2}$ é o operador de Laplace.  Por quê? Consulte o seu livro favorito de mecânica clássica. 


Portanto dada uma distribuição de massa $\rho(x)$ nós podemos tentar resolver para $\phi(x)$ para determinar o potencial gravitacional definido pelo corpo $B$. Pela mesma razão, o operador $\triangle$ aparece em eletromagnetismo clássico na determinação do potential elétrico definido por uma distribuição de cargas $\rho(x)$. 
No caso de uma massa puntual, a densidade é uma função delta e $\rho(x) = \delta(x - x_0)$ onde $x_0$ é a localização da massa, ou carga no espaço. 
A solução da equação de Laplace é para uma massa ou carga puntual é chamada de função de Green ou função de influência da carga em $x_0$. 
No caso do operador de Laplace essa função de Green é exatamente o potencial gravitacional de uma partícula massiva ou carga puntual e é dada (módulo constantes de proporcionalidade) por $\phi(x) = \frac{1}{\vert x - x_0\vert}$. 


Note que para uma distribuição de carga, ou de massa, contínua o potencial gravitacional é a convolução da função de Green com a distribuição de massa $\rho(x)$. 


Vamos considerar agora as soluções da equação de Laplace no plano. 
Isto é, em seguida nós vamos estudar a equação 
$$u_{xx} + u_{yy} = 0,$$ ou ainda
$$(\frac{\partial^2}{\partial x^2} + \frac{\partial^2}{\partial y^2})u = 0.$$


Nós veremos em breve que existe uma relação profunda entre teoria potencial (soluções da equação de Laplace) e teoria de funções no plano complexo $\mathbb{C}$. 


Para começar vamos recordar alguma notação do curso de cálculo complexo. Seja $z = x + \sqrt{-1}y$ onde $\sqrt{-1} = i$ é a constante imaginária. 


No plano complexo $\mathbb{C}$ nós podemos definir dois operadores lineares, 
$$\frac{\partial}{\partial z} = \frac{1}{2}(\frac{\partial}{\partial x} - i \frac{\partial}{\partial y} ),$$ e 
$$\frac{\partial}{\partial \bar{z}} = \frac{1}{2}(\frac{\partial}{\partial x} + i \frac{\partial}{\partial y} ).$$


Nós dizemos que $f(z,\bar{z}) = u(x,y) + \sqrt{-1} v(x,y)$, diferenciável, é analítica (complexa) num aberto $U$ se 
$\frac{\partial}{\partial \bar{z}} f(z,\bar{z})=0$ em $U$. Isso significa que $f = f(z)$ somente e que $f(z)$ (corolário) pode ser expandida como uma série de Taylor infinita em $z$ no aberto $U$. O aberto $U$ pode ser uma vizinhança (bola) de algum ponto $z_0$ fixo. 
Funções analíticas complexas são também chamadas de holomorfas.


As partes real e imaginária da equação $\frac{\partial}{\partial \bar{z}} f(z,\bar{z})=0$ são exatamente as equações de Cauchy-Riemann do cálculo complexo: 
$\frac{1}{2}(\frac{\partial}{\partial x} + i \frac{\partial}{\partial y} ) (u(x,y) + i v(x,y)) = 0 $
$\Rightarrow u_x - v_y = 0, v_x + u_y = 0.$ 


Você pode verificar que $\triangle = 4\frac{\partial}{\partial z} \frac{\partial}{\partial \bar{z}}$ e portanto as partes reais de imaginárias de qualquer função holomorfa é harmônica! 
O conhecimento desse fato simples nos presenteia com um estoque gigantesco de funções harmônicas. Portanto dado $f(z)$ harmônica, $\log f(z)$ é harmônica também. Use a sua imaginação para criar outros exemplos. 


Nós demonstramos que a parte real (ou imaginária) de toda função holomórfica é harmônica. Será que a recíproca é verdadeira? Em geral sim. 


Teorema 1. Num domínio simplesmente conexo, toda função harmônica é a parte real de uma função analítica complexa, módulo uma constante puramente imaginária. 


Nós queremos determinar $f = u + iv$, com $u$ dado. 
Mas $u_x - v_y = 0$ e $u_y + v_x=0$,
e portanto 
$v(x,y)$ = integral de linha de $\nabla v$ de $(x_0,y_0)$ fixo até $(x,y)$.
Mas $\nabla v = (-u_y,u_x)$ e as funções $u_x,u_y$ são dadas. Como o domínio é simplesmente conexo, 
o valor da integral não depende do caminho e a única escolha feita foi o início do caminho de integração.


Portanto $v$ fica unicamente determinada módulo uma constante imaginária, como nós queriamos demonstrar. 


Portanto a teoria das funções analíticas, e funções harmônicas (soluções da equação de Laplace) coincidem no plano. 


Teorema 2. (O teorema do valor médio.) O valor médio de uma função harmônica ao longo de um círculo é igual ao valor dessa função no centro do círculo. 
Suponha que o centro do círculo esteja localizado na origem, e suponha que o raio do círculo é $R$. Isso pode ser feito sem perda de generalidade. 


A demonstração é a seguinte. Como nós sabemos, $u$ = parte real de $f(z)$ para algum $f(z)$ definido numa vizinhança gorda do disco limitado pelo círculo. . 
Portanto, pela fórmula integral de Cauchy do cálculo complexo,
$f(0) = \frac{1}{2\pi i}\int_{\gamma} dz \frac{f(z)}{z} =  \frac{1}{2\pi }\int_0^{2\pi} f(R\exp(i\phi)) d\phi$, e $f = u + i v$. Separando as partes reais e imaginárias nos dois lados da última igualdade nós obtemos o resultado desejado. 


Corolário. Uma função harmônica não pode ter pontos de máximo ou mínimo (no sentido fraco) no interior do seu domínio de definição. 


Vamos assumir que $u(x,y)$ não constante. Esse caso é trivial. 


Ponto de máximo (resp. mínimo) fraco, e local significa que $u(x_0,y_0) \geq u(x,y)$ (resp. $\leq u(x,y)$) para todo $(x,y)$ próximo de $(x_0,y_0)$. 


Considere um cículo pequeno ao redor de $(x_0,y_0)$. Então por continuidade a função é sempre menor em torno de um arco pequeno perto $(x_1,y_1)$ no círculo.








Portanto a média da função no círculo é menor que o valor da função no centro, uma contradição. Portanto a função é constante numa vizinhança de $(x_0,y_0)$. Portanto o conjunto dos pontos $\{(x,y): u(x_0,y_0) = u(x,y)\}$ é aberto e fechado. 
Portanto como $D$ é conexo esse conjunto têm de coincidir com o domínio $D$ da função $u$, contradizendo nossa hipótese inicial. Portanto, se a função não é constante, e é harmônica a função não admite um máximo ou mínimo (fraco) global no interior do domínio. Quando a função têm uma extensão contínua para a fronteira, então como consequência o valores máximo e mínimos são realizados na fronteira. 


Corolário. (Outro corolário do teorema do valor médio.) Seja $D$ um domínio limitado, com fronteira suave por partes. Seja $g$ uma função contínua na fronteira. Se existe $u$, harmônica em $D$ que se extende à $g$ na fronteira, então $u$ é única.


Em outras palavras, a solução do problema de Dirichlet, se ela existe ela á única. 












sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Lista de exercícios no. 3

1. Verifique a validade do princípio do máximo para a função harmônica
$u(x,y) = \frac{1-x^2-y^2}{1 - 2x + x^2 + y^2}$ no disco $\overline{D} = \{x^2 + y^2 \leq 1.\}$ Explique o seu raciocínio.

2. Qual a forma do Laplaciano em coordenadas polares? Verifique que
$$\Delta = \frac{\partial^2}{\partial r^2} + \frac{1}{r}\frac{\partial}{\partial r} + \frac{1}{r^2}\frac{\partial^2}{\partial r^2}.$$
Verifique também que $r^{\vert k\vert} \exp(ik\theta)$ é harmônica para todo $k$ inteiro.

3. Calcule todas as soluções da equação de Laplace que só dependem de $r$.

4. Suponha que $u$ é harmônica no interior do disco de raio $2$, i.e. em $D = \{ r < 2\}$ e que na fronteira assuma a forma $u = 3\sin(2\theta) + 1$. Sem calcular a função $u$ responda às seguintes questões:
(a) Qual o valor máximo de $u$ em $\overline{D}$?
(b) Qual o valor de $u$ na origem?

5.  Resolva a equação de Laplace $\Delta u = 0$ no disco de raio $R$ com condição de fronteira $u = 1 + 3\sin(\theta)$.

6. (O método de Rayleigh-Ritz.)
Suponham que nós queremos resolver a equação de Laplace
num domínio limitado $D$, com condição de fronteira $u\vert_{\partial D} = h$ e sejam $(w_k)_{k=0}^N$ funções arbitrárias tais que $w_0\vert_{\partial D} = h$ e $u_{k\geq 1}\vert_{\partial D} = 0$.

Defina a forma de energia de Dirichlet,
$$E(u,v) = \int\int_{D}(\nabla u\bullet \nabla v) dx\wedge dy.$$

Nosso problema é encontrar constantes $(c_i)_{k=0}^N$ que $u_N = \sum_{k=0}^N c_k w_k$ minimiza $E(u_N,u_N)$.

O princípio de Dirichlet (que nós vamos discutir mais tarde no curso) diz que as soluções da equação de Laplace minimizam o funcional de energia acima.

Mostre que as constantes que resolvem o problema satisfazem $\sum_{k=1}^N E(w_j,w_k)c_k = - E(w_0,w_j), j = 1,2,\dots, N.$

7. Considere a equação de Laplace $\Delta u  = u_{xx} + u_{yy} = 0$ no triângulo $$\{x>0,y>0, 3x + y < 3\}$$ e com condições de fronteira
$$u(x,0) = 0, u(0,y) = y(3-y), u(x,3-3x) = 0.$$
Escolha $w_0 = y(3-3x - y)$ e $w_1 = xy(3-3x-y)$. Encontre $u_1 = c_0 w_0 + c_1 w_1$ que melhor aproxima $u$ na norma da energia (de Dirichlet).
Isto é, encontre a aproximação de Rayleigh-Ritz de $u$ no triângulo acima.

Em seguida inclua um terceiro polinômio $w_2 = x^2 y (3 - 3x - y)$. Calcule uma aproximação da forma $u_2 = c_0 w_0 + c_1 w_1 + c_2 w_2$.
Será que a energia de $u_2$ é menor que a de $u_1$ acima?

8. (a) Se $u = f(x/y)$ é harmonica, resolva a equação diferencial que $f$ satisfaz.
(b) Mostre que $\frac{\partial}{\partial r}u = 0$.
(c) Mostre que $y>0$ e $\frac{\partial}{\partial r}v(r,\theta) = 0$ então $v$ é da forma $f(x/y)$.
(d) Encontre o limite $\lim_{y\to 0} u(x,y) = h(x)$.

9. (a) Use o exercício anterior para encontrar a função harmonica no semi-plano superior $\{y > 0\}$ que satisfaz $h(x) = 0$ se $x<0$ e $h(x) = 1$ se $x>0$.

(b) Seja $-\infty = a_0 < a_1 < a_2 < \dots < a_{N-1} < a_N = \infty$ uma partição da reta real, e seja $h(x) = \sum_{k=0}^N c_k \chi_k$ uma função escada.
A função $\chi_k$ é a função característica de $(a_k,a_{k+1})$.
Resolva a equação de Laplace em $\{y>0\}$ com condição de fronteira $h(x)$.

10. (Funcões de Green para problemas de fronteira.)
Considere $x_0 \in (0,l)$ onde $l$ é um parametro real positivo.
Encontre a unica função no intervalo $(0,l)$ que satisfaz
i. $G''(x) = 0$ se $x\neq 0 $;
ii. $G(0) = G(l) = 0$;
iii. $G(x)$ é continua em $x_0$ e $G(x) + \frac{1}{2}\vert x - x_0\vert$ é harmonica em $x_0$.

Lista 4 será sobre aplicações de teoria potential em eletrostática e gravitação.

domingo, 18 de setembro de 2011

Gráfico de uma função harmônica

Esse é o gráfico da parte imaginária do função logaritmo $\log(z)$. Nessa figura nós estamos considerando o ramo da função logaritmo definida no plano menos o eixo real não positivo. O círculos na figura são as fronteiras de vizinhanças abertas, e o diagrama está ilustrando o processo de continuação analítica.

Outro exemplos interessantes são os gráficos da parte real e imaginárias de $\exp(z)$.

A fileira de baixo corresponde às curvas de nível da função. Tente verificar visualmente porque a propriedade do valor médio das funções harmônicas é verdadeira no caso da função exponencial. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sobre a escala de notas na prova P1

Nota máxima: 40 pontos.

26 pontos ou mais é excelente (> 90%);
16 pontos é bom (> 70%);
12 pontos é média ( > 50%).


Seminário QTP no. 2. Compareçam!

Essa segunda edição Q.T.P. será ministrada pelo Fred, conhecido de
todos pela sua dedicação e carinho à PUC:

Prof. Carlos Frederico Palmeira (departamento de Matemática, PUC-Rio):
http://www.mat.puc-rio.br/~fredpalm/
3a feira, dia 20/09, Sala 856L (sala de seminário do DMAT)

Topologia Simples Aplicada a Dinâmica dos Fluidos
- O estudo de um sistema de 2 equações diferenciais parciais que
aparece em mecânica de fluidos, leva a famílias  de curvas a dois
parâmetros no plano, e isso por sua por sua vez leva a famílias, bem
mais simples, de curvas em uma superfície M de dimensão 3 mergulhada
em R4. Consideramos o caso em que as equações originais são bastante
simples (envolvendo polinômios de grau 2) e obtemos bastante
informação sobre a família de curvas em M, que podem ser transferidas
para  as soluções do sistema original.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A desigualdade de Bessel

Seja $f$ uma função contínua (ou mesmo contínua por partes) e seja $S_N(x) = \sum_{k=-N}^N c_k \exp(ikx)$ o polinômio de Fourier de grau de $N$.

É fácil mostrar que,
$(f - S_N,f - S_N) = \int_{-\pi}^{\pi}(f(x) - \sum_{k=-N}^N c_k \exp(ikx))(\bar{f}(x) -  \sum_{k=-N}^N \bar{c}_k \exp(-ikx))dx =$
$\int_{-\pi}^{\pi}f(x)\bar{f}(x)dx - \sum_{k=-N}^N \vert c_k\vert^2 \geq 0.$
Portanto,
$ \int_{-\pi}^{\pi}f(x)\bar{f}(x)dx \geq \sum_{k=-N}^N \vert c_k\vert^2$ e tomando o limite quando $N\to \infty$ nós temos a desigualdade de Bessel.

Isso implica em particular que $c_k \to 0$ quando $k\to \infty$ ou $\lim_{k\to \infty}f(x) \exp(ikx) dx = 0$, que é uma forma particular do lema de Riemann-Lebesgue.

Isso é bastante útil em demonstrações envolvendo integrais oscilatórias.


terça-feira, 6 de setembro de 2011

Testinho 2

O testinho tinha duas partes, a primeira parte consistia em calcular
$F(x) = \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}}*\frac{\exp(-\frac{x^2}{2\tau}) }{\sqrt{2\pi\tau}},$
onde $\tau,\sigma$ são ambas constantes positivas. 

A segunda parte pedia para verificar que  $\int_{\mathbb{R}}\frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}} dx = 1$ e que $\lim_{\sigma\to 0} \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}} = \delta(x)$ no sentido fraco.  

O truque na primeira parte era se lembrar que se $f(x) = \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}}$, então $\frac{d f}{dx}(x) = - \frac{x}{\sigma}f(x)$ e portanto $\sigma ik \widehat{f}(k) = -i \frac{d\widehat{f}}{dk}(k) \Rightarrow \widehat{f}(k) \propto \exp(-\sigma k^2/2)$ pelas propriedades da transformada de Fourier, e a constante de proporcionalidade à direita não depende de $\sigma$. (Por quê? Veja a segunda parte. )

De qualquer forma, pelo teorema de convolução 
$\widehat{f(x)*g(x)} = 2\pi \widehat{f}(k) \widehat{g}(k)$ e portanto 
$\widehat{F}(k) = \frac{1}{2\pi} \exp(-\sigma k^2/2) \exp(-\tau k^2/2) = \exp(-(\sigma + \tau) k^2/2)$ e tomando a transformada inversa, $F(x) = \frac{\exp(-\frac{x^2}{2(\sigma + \tau)}) }{\sqrt{2\pi(\sigma + \tau)}}.$

Para verificar que $\int_{\mathbb{R}} \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}} dx = 1$ basta escalonar a variável de integração e se lembrar que $\int_{\mathbb{R}}\exp(-x^2/2)dx = \sqrt{2\pi}$. 

A última parte do problema pedia para mostrar que $\lim_{\sigma\to 0} \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}} = \delta(x)$ no sentido fraco. 

A última parte foi de fato um desafio. 

A maneira indireta,
se $f(x) =  \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}}$ e  $g(x)  = \overline{f}*f $ (ou $f*f$ se $f$ for real) então
$\widehat{g}(k)=\widehat{\overline{f}*f} = \overline{\widehat{f}(k)} \widehat{f}(k) = \vert \widehat{f}(k)\vert^2$. 
Pela fórmula de inversão,
$g(x) = \int_{\mathbb{R}}\vert \widehat{f}(k)\vert^2 \exp(ikx) dk \Rightarrow g(0) = \int \vert f(x) \vert^2 dx = \int_{\mathbb{R}}\vert \widehat{f}(k)\vert^2 dk$. 

Essas manipulações formais dependem de $f$ e $\widehat{f}$ serem ambas quadrado integráveis. 

Fica fácil provar agora que $\int f(x) g(x) dx = \int \widehat{f}(k) \widehat{g}(k) dk.$ 
Portanto no sentido fraco nós temos que
$\int \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}} \phi(x) dx = \int \frac{1}{2\pi} \exp(-\sigma k^2/2) \widehat{\phi}(k) dk$, 
e quando $\sigma \to 0$ o lado direito tende à $\propto \int_{\mathbb{R}} \widehat{\phi}(k) dk = \phi(0)$ pela fórmula de inversão. 

Conclusão: o limite fraco de $\exp(-\frac{x^2}{2\sigma})$ é a função $\delta$ vezes uma constante. 

A maneira direta pode ser argumentada assim. 

Como nós mencionamos no enunciado do problema, a medida que $\sigma \to 0$ o gráfico de $\frac{\exp(-\frac{x^2}{2\sigma}) }{\sqrt{2\pi\sigma}}$ fica mais alto e mais fino. 

Nós vamos primeiro demonstrar que a a cauda do gráfico contribui pouco para a área total. 

Para $x \geq 2\epsilon$, $x^2/2\epsilon \geq x/2\epsilon$ e como $\exp(-t)$ é decrescente,
$\exp(-x^2/2\epsilon) \leq \exp(-x/2\epsilon)$. 

Portanto,
$\int_{2\epsilon}^{\infty}\frac{\exp(-\frac{x^2}{2\epsilon}) }{\sqrt{2\pi\epsilon}} dx \leq \int_{2\epsilon}^{\infty}\frac{\exp(-\frac{x}{2\epsilon}) }{\sqrt{2\pi\epsilon}} dx  =  c \epsilon^{1/2}.$  

Nós podemos concluir que a área $\int_{\vert x\vert \geq 2\epsilon} \exp(-x^2/2\epsilon) dx  \leq c \epsilon^{1/2}.$ 

Agora como exercício tente se convencer que 
$\lim_{\epsilon \to 0} f_{\epsilon}(x) \phi(x) dx = \phi(0)$, onde
$f_{\epsilon}(x) = \frac{\exp(-\frac{x^2}{2\epsilon}) }{\sqrt{2\pi\epsilon}}$. 

Veja o livro do Lighthill, "Introduction to Fourier Analysis and Generalized Functions." 
O problema maior aqui é definir o espaço de funções onde o funcional linear $\delta(x)$ atua.
Lighthill assume que $\delta(x)$ mora no espaço de boas funções,
funções $C^{\infty}$ que caem bastante rápido quando $x\to \infty$. De fato, mais rápido que qualquer polinômio. 



sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A transformada de Fourier: parte 2 (algumas considerações técnicas)

Nessa aula (24/08/2011) nosso objetivo foi demonstrar a fórmula de invesão de Fourier,

$f(x) = \frac{1}{2\pi}\int_{-\infty }^{\infty}dk \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt f(x) \exp(-ik(t-x))\right).$

Antes de nos aventurarmos na demonstração e tecnicalidades da prova, vamos motivar primeiro a noção de integral Fourier como um limite formal de uma série de Fourier de uma função de período $L$, com $L\to \infty$.

Considere primeiro a função $f_L(x)$ que coincide com a função original $f(x)$ no intervalo $[-L/2,L/2]$ e é zero fora dela.
A série de Fourier da extensão $L$-periódica dessa função é $f_L(x) =\sum_{k=-\infty}^{\infty}c_k\exp(\frac{2\pi i k x}{L}),$ onde cada $c_k = \frac{1}{L}\int_{-L/2}^{L/2}f(t)\exp(\frac{-2\pi i k t}{L}) dt.$

Portanto,

$f_L(x) = \sum_{k=-\infty}^{\infty}( \frac{1}{L}\int_{-L/2}^{L/2}f(t)\exp(\frac{-2\pi i k t}{L}) dt)\exp(\frac{2\pi i k x}{L}),$
$= \frac{1}{L}\sum_{k=-\infty}^{\infty}\int_{-\infty}^{\infty}f(t)\exp(\frac{2\pi i k (t - x)}{L})dt.$

Considere agora a função $F(\lambda) = \int_{-L/2}^{L/2 } f(t) \exp(-i\lambda (t-x))dt$ (assumindo que $x$ é uma constante, ou que $x$ foi fixado antes. Essa função auxiliar nos permite ver a expressão
 $\frac{1}{L}\sum_{k=-\infty}^{\infty}\int_{-\infty}^{\infty}f(t)\exp(\frac{2\pi i k (t - x)}{L})dt = \frac{1}{2\pi}\sum_{-\infty}^{\infty}F(\lambda_k) \Delta \lambda,$
onde $\lambda_k = \frac{2\pi k}{L}$ e $\Delta \lambda = \frac{2\pi}{L}$. Isto é, a somatória infinita é uma soma de Riemann da função $F(\lambda)$. A razão para escolhermos $\Delta \lambda = \frac{2\pi}{L}$ é porque quando $k$ varia por uma unidade a freqüência $ \lambda$ varia por $\Delta \lambda = 2\pi/L$.

O limite formal $L\to \infty$ nos dá a fórmula de inversão de Fourier.

O teorema que nós vamos provar é o seguinte,
Teorema. Seja $f(x) \in L^1(\mathbb{R})$ e suponha que $f(x)$ seja $C^2(\mathbb{R})$. Então
$f(x) = \int_{-\infty }^{\infty}dk \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt f(t) \exp(-ik(t-x))\right).$

Algumas observações antes de procedermos com a demonstração do teorema. A condição $f(x)\in C^2(\mathbb{R})$ é bem restritiva. Na verdade a maioria dos livros de análise é suficiente assumirmos que $f(x)$ é Dini contínuo ou Lipshitz contínuo. Se a função for Lipshitz contínua, ela é Dini contínua. A noção de continuidade no sentido de Dini é um refinamento da noção de continuidade.

Lendo a Mathematical Encyclopedia da Springer, Dini continuidade significa que
$\lim_{\delta\to 0+}\omega(f;\delta) \log(1/\delta) = 0,$
$\omega(f;\delta) = \sup_{\vert x-y\vert \leq \delta} \vert f(x) - f(y)\vert$. Essa última quantidade é chamada o modulo de variação da função para uma variação em $\delta$ no argumento.

O crescimento de $\log(1/\delta)$ é muito lento, e portanto a condição de Dini é uma restrição na variação de $f$. (A variação de $f$ é "sublogrítmica.") Para nós, Lipshitz é suficiente, já que Lipshitz implica Dini.

Mais tarde, durante a demonstração nós veremos onde a condição de Dini é necessária.

Prova do teorema.

Definina $F_L(x) = \frac{1}{2\pi} \int_{-L}^{L}dk \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt f(x) \exp(-ik(t-x))\right).$
Nós vamos mostrar que $F_L(x)$ tende à $f(x)$ uniformemente.

Aplicando o teorema de Fubini em
$F_L(x) = \frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt \int_{-L}^{L}dk  f(t) \exp(-ik(t-x))\right).$

Isso é possível porquê $f(t) \exp(-ik(t-x))$ é absolutamente integrável na fita $[-A,A]\times [-\infty,\infty]$. (Por quê?)

Na nova ordem de integração,
$F_L(x) = \frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt  f(t) \int_{-L}^{L}dk \exp(-ik(t-x))\right)$
$=\frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt  f(t) \int_{-L}^{L}dk \exp(-ik(t-x))\right)$
$=\frac{1}{2\pi} \left( \int_{-\infty}^{\infty} dt  f(t) \frac{2\sin(L(t-x))}{(t-x)}\right)$
$=\frac{1}{\pi} \left( \int_{-\infty}^{\infty} dz  f(x+z) \frac{\sin(Lz)}{z}\right),$
onde a última igualdade foi obtida através de uma mudança de coordenadas linear $z = t-x$.

Agora, nós sabemos que, através de integrais de linha é possível provar que
$\int_{-\infty}^{\infty}dz \sin(z)/z = \pi$.

Dado $\epsilon > 0$ arbitrário nós vamos escolher $R \gg 1$ e $L \gg 1$ tal que o valor absoluto de cada um dos termos no lado direito em

$F_L(x) - f(x) =  \frac{1}{\pi}\int_{\vert z\vert \leq R}dz \frac{f(x+z) - f(x)}{z}\sin(Lz) + \frac{1}{\pi}\int_{\vert z\vert > R} dz f(x+z) \frac{\sin(Lz)}{z} - f(x) \frac{1}{\pi}\int_{\vert z\vert > R} dz \frac{\sin(Lz)}{z}$

é menos que $\epsilon/3$. Estimando cada um dos termos no lado direito,


  1. $\vert \frac{1}{\pi}\int_{\vert z\vert \leq R}dz \frac{f(x+z) - f(x)}{z}\sin(Lz)\vert  < \epsilon/3$ se $L \gg 1$ pois $\frac{f(x+z) - f(x)}{z}$ é contínua e limitada, e pelo lema de Riemann-Lebesgue se a freqüência $L$ for muito grande, a integral oscilatória tende à zero; 
  2. $f(x)$ sendo absolutamente integrável implica que $\vert \frac{f(x+z)\sin(Lz)}{z}\vert \leq \vert \frac{f(x+z)}{z} \vert \leq \vert f(x+z)\vert$ é integrável no domínio $\vert z\vert \geq R$ e é tão pequena quanto quisermos, por exemplo $\epsilon/3$ se $R$ for suficientemente grande;
  3. a última integral também pode ser feita pequena se $R$ for grande.


Portanto a diferença $F_L(x) - f(x)$ tende à zero.

A transformada de Fourier têm várias propriedades importantes, entre elas,

  1. se $(f_n)$ é uma sequência de Cauchy na norma $L_1(\mathbb{R})$ a sequência $\widehat{f}_n$ é Cauchy na norma de convergência uniforme. 
  2. Se $f\in L_1(\mathbb{R})$ então $\widehat{f}$ é contínua e limitada. (Não necessáriamente absolutamente integrável.) 
  3. Se $f$ é absolutamente contínua (a derivada existe em quase todo ponto, e o teorema fundamental do Cálculo aplica) e $f'$ é absolutamente integrável então $\widehat{f'} = ik \widehat{f}$.  Em particular, argumentando por indução, nós podemos provar que $\vert \widehat{f}\vert \leq C/\vert k\vert^r$ onde $r$ é a ordem de diferenciabilidade de $f$. (Assumindo que as derivadas apropriadas são integráveis.)  
  4. Se $f(x),xf(x)\in L_1(\mathbb{R})$ então $\frac{d}{dk}\widehat{f} = \widehat{-ixf(x)}$.
  5. Se $\exp(\delta \vert x\vert) f(x) \in L_1(\mathbb{R})$ então $\widehat{f}$ é analítica. 
O único comentário que eu vou fazer é sobre a demonstração do item (2). Prove que o teorema é verdadeiro para funções características de intervalos abertos na reta real, e por linearidade, para qualquer função escada de suporte compacto. Em seguida você teria que demonstrar que as funções escadas de suporte limitado são densas no espaço de funções (abs.) integráveis na reta toda. A continuidade da transformada de Fourier (i.e. (1)) conclui a demonstração.